quinta-feira, 13 de maio de 2010

A história da enfermagem na década de 80.

A crise brasileira agravou-se após a falência do modelo econômico do regime militar, manifestada sobretudo pelo descontrole inflacionário, já a partir do final dos anos 70. Ao mesmo tempo, a sociedade voltava a mobilizar-se, exigindo liberdade, democracia e eleição direta do presidente da República. O último general presidente, João Figueiredo (1979-1985), viu-se obrigado a acelerar a democratização do país, a lenta e gradual abertura política iniciada por seu antecessor. Foi extinto o bipartidarismo imposto pelos militares e criaram-se novos partidos políticos. A imprensa livrou-se da censura, os sindicatos ganharam maior liberdade e autonomia e as greves voltaram a marcar presença no cotidiano das cidades brasileiras." (Bertolli Filho, 1996).
A partir das eleições de 1982, as negociações entre as forças políticas mais conservadoras e moderadas se sucederam, na busca da ampliação da abertura democrática. Essas negociações colocaram em plano secundário - na verdade quase excluíram - os sindicatos e partidos de esquerda, récem-saídos da clandestinidade, apesar do seu sucesso eleitoral nos anos de 1982 e 1984. Os resultados das eleições de 1986 favoreceram as forças conservadoras, graças a procedimentos de corrupção eleitoral (clientelismo, curialismo eleitoral, financiamento de candidatos favoráveis a lobbies etc) empregados desde a Primeira República. Apesar disso, grande massa de votos foi para os setores e partidos políticos progressistas e de esquerda." (Luz, 1991).
Desde os anos 70, havia uma certa inquietação no interior do Estado com os gastos crescentes na saúde. (...) A incorporação de grandes contingentes de trabalhadores no sistema, o desenvolvimento de novas tecnologias médicas meio complexas (encarecendo o atendimento) e a má distribuição destes recursos, tornavam a assistência médica previdenciária extremamente onerosa. Tudo isso, num quadro de crise econômica, prognosticava a falência do modelo.
Assim, no final dos anos 70, estava demarcada a diretriz de redução de custos, mas, contraditoriamente, havia forte tendência de expansão do atendimento médico para os setores ainda não cobertos. Já no início da década, começara a surgir, ainda fora do aparato estatal, uma corrente contra-hegemônica que preconizava como proposta - para a melhoria da assistência médica no país - a descentralização, articulada à regionalização e à hierarquização dos serviços de saúde e à democratização do sistema, através da extensão de cobertura a setores até então descobertos, como os trabalhadores rurais. O movimento sanitário criticava o modelo hospitalocêntrico e propunha a ênfase em cuidados primários e a prioridade do setor público. Mas é somente na década de 80 que as propostas defendidas pelos sanitaristas passam a prevalecer no discurso oficial.
O movimento sanitário vai ter, portanto, um ponto em comum com os setores até então hegemônicos: a necessidade de racionalizar os gastos com saúde. Do ponto de vista dos sanitaristas, o argumento da racionalização dos gastos podia servir, de um lado, à luta pela quebra do modelo prevalente, uma vez que o setor privado era responsável pelo aumento e pela maior parte das despesas na saúde. De outro lado, possibilitava uma maior democratização do atendimento médico, estendendo-o à população marginalizada que não contribuía diretamente com a Previdência Social.
Na década de 80 propriamente dita, ocorreram alguns avanços para a Enfermagem, como a aprovação da Lei 7.498, em julho de 1986, que, em substituição à defasada Lei 2.604 de 1995, trouxe novas disposições sobre a regulamentação do exercício profissional, reconhecendo as categorias de enfermeiro, técnico de Enfermagem, auxiliar de Enfermagem e parteira, e determinando a extinção em 10 anos do pessoal sem a formação específica regulada em lei, delimitou as atividades específicas de cada categoria, tendo suscitado grandes polêmicas e controvérsias em relação a esse aspecto. Apesar disso, não ocorreram grandes mudanças na prática, permanecendo a Enfermagem e, principalmente, os enfermeiros, insatisfeitos e confusos com relação ao papel que desempenham na sociedade, ao seu status social e autonomia profissional. Também o padrão de qualidade da assistência de Enfermagem como reflexo da deterioração geral do sistema de saúde brasileiro, está, cada dia mais precário, o que, aliado à falta de condições de trabalho e aos baixos salários do pessoal de saúde e educação, contribui para o descrédito popular e para a insatisfação geral.
Entre 1981 e setembro de 1984 o país vivência uma crise econômica explícita, e é quando se iniciam as políticas racionalizadoras na saúde e as mudanças de rota com o CONASP / Conselho Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária e as AIS / Ações Integradas de Saúde. Este é um momento tumultuado na saúde, tendo em vista a quebra de hegemonia do modelo anterior." (França, 1998)
A partir de 1982, o plano CONASP (criado em 1981, era um aplano de reorientação da assistência médica que, em linhas gerais propunha melhorar a qualidade da assistência fazendo modificações no modelo privatizante -de compra de serviços médicos- tais como a descentralização e a utilização prioritária dos serviços públicos federais, estaduais e municipais na cobertura assistencial da clientela) trouxe para uma perspectiva mais programática a integração do setor público, efetivada pelo programa de Ações Integradas de Saúde (conhecido como AIS) que nasceu como proposta institucional do INAMPS e que, em 1984, passou a ser assumido formalmente pelas Secretarias de Saúde dos Estados e pelos Ministérios da Saúde, Previdência e Educação, com vistas à ação conjunta. O programa de Ações Integradas de Saúde, através da estratégia de integração programática, entre as instituições de níveis federal, estadual e municipal, objetivava a melhoria da qualidade da assistência, tendo como linhas principais a universalização, descentralização e hierarquização dos serviços; racionalização dos recursos e aumento da produtividade; reorientação da política de recursos humanos; valorização das atividades básicas e reconhecimento da participação popular. Essas diretrizes institucionais racionalizadoras pactuam com a ideologia e com as práticas do movimento de Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde incorporado à nova Constituição.
A partir da adoção do conceito de saúde e alicerçado na estratégia de promover a consciência sanitária, não só entre os profissionais de saúde, mas também entre usuários do sistema, visto que ambos estavam sujeitos às mesmas causas que afetavam, de um lado, o processo de trabalho e, de outro, o binômio saúde/doença, no movimento da Reforma Sanitária debateu-se em torno da proposta de um sistema único de saúde, público, socializado, universal, integrado e planejado de acordo com as demandas existentes, utilizando de forma hierarquizada e regionalizada os recursos disponíveis.
Os pressupostos do movimento reformista, em prol da universalização e da igualdade do direito à saúde, foram discutidos e consubstanciados no mais amplo e democrático fórum de representação política e social ocorrido no país, a VIII Conferência Nacional de Saúde (realizada em Brasília, em março de 1986).
As Conferências Nacionais de Saúde têm sido realizadas no Brasil desde 1947. São instâncias colegiadas do Sistema Único de Saúde, têm caráter deliberativo, são regulamentadas pela Lei 8.142/90 e convocadas a cada 4 anos pelo Poder Executivo ou pelo Conselho Nacional de Saúde.
A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, a própria concepção de saúde, antes abstrata, é redefinida, partindo-se da premissa de que a saúde merece um conceito mais abrangente e político que aquele adotado pela OMS, em 1946. Assim sendo, frente aos propósitos de Reforma Sanitária, a saúde passa a ser entendida com resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. Esse passou a ser o novo paradigma do movimento sanitário, enquanto possibilidade de transformar ou criar mecanismo que atuem diretamente na organização institucional do setor saúde, com vistas a torná-lo mais racional, eficiente e democrático.
As propostas da VIII Conferência sofreram desdobramentos posteriores, até serem aprovadas e incoporadas ao texto da nova Constituição. Nessa trajetória, ocorreram sérios confrontos entre os defensores dos ideais populares e os interesses dos grupos privados que, por sua vez, usaram todos os artifícios possíveis para, através dos lobbies, interferirem a seu favor nas propostas mais progressivas. O que se viu, foi que o texto, aprovado posteriormente, não refletiu, na sua totalidade, os ideais antes propostos, tendo sofrido várias modificações que beneficiaram o sistema empresarial.
Analisando o Artigo 199 da nova Constituição, vemos, porém, que apesar de garantir que a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada, esta afirmação não encontra respaldo nos dispositivos seguintes, os quais a limitam a uma participação complementar no SUS, proíbem a participação de empresas ou capitais estrangeiros na prestação de serviços de saúde e impedem a destinação de recursos públicos para aquele setor.
Outros ganhos importantes foram a estatização completa da produção e comercialização de hemoderivados, a incorporação das ações de saúde do trabalhador ao SUS e a participação da comunidade como uma das diretrizes básicas do sistema, malgrado os interesses contrários.
Ao garantir definitivamente a implantação do SUS, a nova Constituição trouxe um grande avanço para a sociedade brasileira, todavia resta ainda lutar pela elaboração da lei complementar do SUS e empenhar esforços contínuos para garantir a sua operacionalização na prática.
As resoluções da nova Carta Magna, visando à Reforma Sanitária, implicam a reestruturação do ensino e das práticas de saúde, cabendo à Enfermagem uma enorme parcela, uma vez que compõe 60/50% do pessoal a serviço nas unidades de saúde.
Na perspectiva da reformulação do sistema de saúde, o grande desafio para a Enfermagem é a redefinição da prática nos serviços e o redirecionamento da formação do pessoal de Enfermagem em todos os níveis, para o que se torna necessário uma análise prospectiva das bases históricas, políticas e ideológicas que condicionam o processo de formação e a práxis.
Em 1988 a Assembléia Nacional Constituinte aprovou a nova Constituição Brasileira, incluindo, pela primeira vez, uma seção sobre a Saúde. Esta seção sobre Saúde incorporou, em grande parte, os conceitos e propostas da VIII Conferência Nacional de Saúde, podendo-se dizer que na essência, a Constituição adotou a proposta da Reforma Sanitária e do SUS.
No entanto, isso não foi fácil. Vários grupos tentaram aprovar outras propostas, destacando-se duas: a dos que queriam manter o sistema como estava, continuando a privilegiar os hospitais privados contratados pelo INAMPS e a dos que queriam criar no país um sistema de seguro-saúde mais ou menos parecido com o americano (que, todos sabemos, é caro e não atende a todos). Como essas alternativas não tinham muita aceitação, pois uma já tinha demonstrado que não funcionava e a outra era inviável pela questão econômica, a proposta feita pelo movimento da Reforma Sanitária teve chance e acabou sendo aprovada, ainda que com imperfeições. De qualquer forma essa foi uma grande vitória, que coloca a Constituição brasileira entre as mais avançadas do mundo no campo do direito à saúde." (Rodriguez Neto, 1994)
Durante o processo de elaboração da Constituição Federal, uma outra iniciativa de reformulação do sistema foi implementada, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde - SUDS. Idealizado enquanto estratégia de transição em direção ao Sistema Único de Saúde, propunha a transferência dos serviços do INAMPS para estados e municípios. O SUDS pode ser percebido como uma estadualização de serviços. Seu principal ganho foi a incorporação dos governadores de estado no processo de disputa por recursos previdenciários. Contudo a estadualização, em alguns casos, levou à retração de recursos estaduais para a saúde e à apropriação de recursos federais para outras ações, além de possibilitar a negociação clientelista com os municípios.
Enquanto resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao setor saúde presentes na Assembléia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 1988 aprovou a criação do Sistema Único de Saúde, reconhecendo a saúde como um direito a ser assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, eqüidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação da população." (Cunha & Cunha, 1998).

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